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Qual é o lugar da Psicanálise na era da internet ?


Enquanto tento ler uma entrevista em um site na internet, sou bombardeada com propagandas de tapetes que aparecem entre cada parágrafo. Janelas abrem com mais propagandas de outros tapetes, pés pisando tapetes, promoções imperdíveis e valores em vermelho.

A explicação? Há alguns dias atrás comprei um tapete novo pela internet para o meu consultório, sendo assim os algoritmos entendem que esse é um assunto do meu interesse. Eles não sabem, aparentemente, que já fiz a compra e que já estou pronta para mudar de assunto. Mas é assim que funciona a nossa relação com as máquinas e redes atualmente. Qualquer busca que fazemos, conversa que temos ou foto que curtimos se tornam potenciais produtos a serem comprados, e, então, porque não facilitar essa busca e oferecer mais possibilidades?


Quem ganha com isso? Certamente não somos nós. Corporações sem rosto, apenas com grandes nomes, ficam cada vez mais ricas, enquanto as pessoas se endividam cada vez mais, compram cada vez mais, em busca da suposta felicidade que vem junto com tais produtos. Mais um sapato, mais uma blusinha. Um produto de beleza, um cosmético. Tá tão barato, pensamos, é melhor aproveitar. É insuportável considerar a falta, o que pode vir a faltar. Melhor comprar antes que acabe.

As redes sociais que roubam o tempo das pessoas e as imergem em seus smartphones incentivam ainda um outro tipo de consumo. Consumo de vidas alheias, de realidades perfeitas, de corpos incríveis, roupas da moda, brinquedos geniais. Passam-se horas rolando a tela e consumindo incessantemente essas vidas.


Agora está também em alta a tal “produção de conteúdo”, que se propõe a sair um pouco desse consumismo vazio, para levar informação de qualidade com mais facilidade para as pessoas. Seria o bom uso da internet? Não me levem a mal, eu também faço parte desse grupo que produz conteúdo, é exatamente o que estou fazendo agora. Mas quanto conteúdo, por mais que seja de qualidade, você consegue absorver de uma vez só? Quantos profissionais, coaches, psicólogos, educadores parentais, médicos, consultores financeiros, você consegue acompanhar de uma vez só? Seguir todo mundo é o mesmo que seguir ninguém, disse muito bem uma dessas influencers (@robertaferec) que eu, de verdade, adoro e acompanho.



A que serve tudo isso? Qual a sua justificativa? Pra que é necessário consumir tanto, ler tanto, comprar tanto, tanta informação? O que é que você está tentando tampar com isso?

É nessas perguntas que entra a Psicanálise. A Psicanálise não preenche o furo, não dá respostas, não chega a conclusões e nunca pretendeu isso. Se há algo que ela dá, são mais perguntas. Ela não pretende preencher o buraco, mas sim te ajudar a viver com ele. A Psicanálise, hoje, a meu ver, e os psicanalistas, deveriam ter como objetivo principal barrar essa roda. Ela vai na contramão do consumo, e por isso nunca pode se submeter a ele. Não pode ser produto a ser comprado, não entra na série do “tem que ter, tem que fazer”. Não dá pra fazer análise porque todo mundo faz, assim como não dá pra vender análise pela internet (e o vender aqui, é diferente de fazer, fazer análise). Acredito que a internet, para a Psicanálise, entra como meio, como um caminho para introduzir as perguntas, para que quem faça tais perguntas possa buscar por ela. Possa encontrar um psicanalista que ofereça um espaço para questionar junto.

Por isso tanta gente “não acredita” na Psicanálise. Porque ela não se submete à lógica moderna do consumo. Ela não dá respostas rápidas, não se propõe a enquadrar ninguém em nenhum modelo, pelo contrário. Ela tira as pessoas das caixas em que vivem, questiona modelos e anda sempre na contramão do consumo. É preciso trabalhar e se dedicar, é preciso estar disposto a botar o dedo na ferida. O objetivo não é simplesmente fazer o paciente se sentir melhor, pois nem sempre nos sentimos bem ao nos deparar com nossos fantasmas. Mas é só encarando nossos medos de frente que podemos nos livrar deles. É só entendendo de que lugar falamos que deixamos de falar no vazio e passamos a nos apropriar de nós mesmos. E, veja só, nesses tempos líquidos, o que mais precisamos para nos sentirmos sujeitos é justamente forma, é borda, é essa compreensão de nós mesmos e dos nossos desejos. Pois o desejo é seu, e não da grande corporação, não é?


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